Sonhei que eu era um construtor de sonhos. Amo sonhar o impossível, como diria Goethe. Um menino nascido em meio a uma realidade dura, tentando transformá-la, abençoado por Deus, pela esperança, por pessoas e pelos ventos dos tempos.
Nesse sonho, entre os bocejos da noite e o espargir da aurora, cuidei de plantar. Preparei o solo, eu que nem de terra entendo, adubei-a com o sal do suor, misturado a raras, mas sofridas lágrimas e a reguei com afinco, como se fora uma chuva fina e constante que molha, mas não encharca.
Sonhei que não acreditavam no meu plantio, mas não sabiam que as sementes tinham na sua composição as qualidades do destemor e da perseverança e, se pareciam fenecer, era apenas o entretempo certo ao desabrochar radioso. E eu jardineiro estava ali presente, sempre. Os jardineiros têm as mãos marcadas por espinhos, mas não perdem a sensibilidade, nunca.
Raras sementes e a espera, após a rega, se fizeram demorar, pois não eram couves, imaginavam-se bambus, poucos que fossem. E furaram a terra difícil e viram o despontar do sol em meio a um quase deserto. Como eram bambus ou queriam ser bambus não tinham medo dos açoites dos ventos e os recebiam com um aparente vergar. Engano ledo. Logo voltavam, eretos e se faziam fortes para florescer em meio às daninhas ervas.
E como em sonho tudo é permitido, os poucos bambus foram se enfeixando, metamorfoseando-se em um jovem baobá. Sentindo a licença poética dessa transmutação genética, advertiam que os baobás eram uma espécie em extinção. Importava não, a licença poética permitiria a ação transgênica, ora bambu, ora baobá.
Cada sonho é, digamos uma utopia e nem todos são Thomas Morus, mas há os que acreditam nas suas utopias pelo relativismo das coisas. E o sonho não era mais um sonho, posto realidade com a clareza e os matizes da vida. E o sonho amadureceu. Amanheceu.
João Soares Neto,
escritor
CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 31/10/1999.