A gente vê na televisão, lê na revista e no jornal e não sente quase nada. 214 pessoas morreram na queda no mar de um boeing 767 da Egypt Air, no nordeste dos Estados Unidos. E daí?
A banalização da desgraça alheia passa pelas mortes das Febens da vida, na indiferença na doença grave de uma pessoa conhecida, nas micro-guerras de todos os dias, nas guerrilhas, no desemprego definitivo, nos assassinos paranóicos de escolas, empresas e cinemas, nas lutas dos sem terra, na Aids e a fome dizimando a África com os olhos cegos da Organização Mundial de Saúde, preocupada com a obesidade no Primeiro Mundo e na morte de uma prefeita que queria apenas trabalhar honestamente.
E nós comendo, rindo, trabalhando, dormindo, como se vivêssemos em um outro planeta e estivéssemos anestesiados. Afinal, a anestesia serve para alguma coisa, mitiga ou suprime dores/ sentimentos que, após a sedação, voltam fortes ou desaparecem, se a razão da dor ou do sentimento foi extirpada ou os nervos definitivamente lesados.
Mas falávamos de desgraça e de como essas desgraças não nos causam mais impactos. Talvez, se pudéssemos, gostaríamos de um pouco mais de tranqüilidade, mas como? Queremos o controle remoto para o portão, o celular que nos azucrina, o cartão de crédito, o computador, a tevê com os seus shows da vida e da morte, os jornais com suas fofocas e a dia a dia com a sua dureza.
Somos bombardeados com informações. O que ganhamos com tanta informação? De que vale uma linha quente (hot line) que nos mostra, a todo instante, as desgraças do mundo, os cartéis de droga, governos sendo depostos, fofocas, crianças abusadas sexualmente, pornografia na Internet, o FMI ditando normas, um presidente de CPI querendo aparecer, os cartões de crédito cobrando os juros da cara com a maior cara de pau?
Creio que isso parece um pouco do apocalipse. A burrice de não saber usar o que o progresso nos concede, de não entender o mundo e saber conviver com as pessoas. Cada um vai se fechando nos seus muros existenciais, deixando de sentir os impactos, quer das sensações positivas, quer das que nos deveriam machucar profundamente e apenas causam – quando causam – mossas em nossos sentimentos e consciências.
Mal comparando, é como alguém que faz plástica e fica perguntando aos outros se ficou bom. Quem tem que saber é a própria pessoa, os outros não estão nem ai. Ninguém está nem ai para as dores dos outros, imagine plástica. E tudo parece plástica.
E no meio de tudo que escrevi de forma desencontrada, propositadamente, pode existir alguma resposta e cada um deve procurá-la do seu jeito, na urgência do tempo que passa e dos impactos que não ferem mais, desde que não sejamos nós as vítimas. Nesse caso, a coisa muda. E como muda.
João Soares Neto,
escritor
CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 07/11/1999.