JOGOS DE PODER – Jornal O Estado

“Se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”. Abraham Lincoln
Em 2014, o Brasil mostrou-se ao mundo com estádios novos e alguns reformados. Vias de acessos remodeladas e algumas novas. Tudo deveria seguir os cadernos de encargos e as regras da – FIFA – Federação Internacional de Futebol Association.
A palavra association é para dizer, no jargão inglês, tratar-se de esporte coletivo jogado com a bola no pé, diferente do futebol americano. Este possui outras regras, a bola por ser conduzida com a mão e há outras medidas de campo. Nos Estados Unidos o nosso futebol é chamado de soccer.
A FIFA tem sede na Suíça, onde quase não se pratica futebol. Serviu, durante grande parte do século 20 e os primeiros 15 anos do 21, para enriquecer dirigentes, assessores e presidentes de confederações continentais e nacionais, espalhadas mundo afora. A FIFA orgulhava-se de afirmar possuir mais membros que a Organização das Nações Unidas-ONU.
Mexe daqui, mexe dali, pouco a pouco, foram sendo aclaradas as múltiplas falcatruas e arranjos que essas entidades do futebol faziam seu “Road show”, que mudam de país a cada quatro anos e envolvem longas conversas com governantes e precisam mostrar exuberância, mesmo o caos estando por perto.
Governantes usam campeonatos continentais e mundiais de futebol para propagandear os seus países perante o público externo e, em critérios internos, distribuir obras para empresas amigas. A África do Sul é só um exemplo.
Em outras palavras, as Copas do Mundo servem para projetos de poder. Agora, neste mundo novo, não o de Aldous Huxley, com a descoberta de liames tão óbvios a alguns, mostrou-se a face crua da FIFA com bilhões de dólares desviados. Há casos absurdos, ao redor do mundo, de estádios suntuosos em cidades de pequeno porte que sequer possuem efetiva liga de futebol.
Se mudarmos o nome da FIFA para o do COI – Comitê Olímpico Internacional, veremos quase o mesmo enredo, apenas com atores diferentes. O Brasil, novamente, entrou nessa ficção e impôs o Rio de Janeiro como a sede das Olimpíadas de 2016, agora em agosto. Segundo a última pesquisa Datafolha: 50% da população é contra a realização e 63% acreditam em mais danos que alegrias ao Brasil.
A Casa da Moeda, em desvio de finalidade, foi a bafejada produtora das medalhas, com tecnologia, desenhos, metais, adornos, fitas e caixas pagos pelos contribuintes brasileiros. Na confusa política brasileira acontecerá o ineditismo de termos dois presidentes da República e dois governadores do Rio, um interino e outro, licenciado.
Uma candidatura à presidência pode surgir do êxito dos eventos. Certamente, tal como no período da Copa de 2014, haverá um acordo de cavalheiros entre as facções delituosas, que avultam nas margens de quem chega ou vai para o Aeroporto do Galeão, para não comprometer a interinidade do governo estadual, a quem compete em primeira instância, cuidar da Segurança Pública.
Em setembro, se tudo correr bem, os atletas do Brasil portarão algumas premiações em ouro, prata e bronze, mas estaremos, com certeza, no cômputo geral de medalhas, muito aquém do grosso dos países europeus e de alguns asiáticos. Quiçá, Cuba não nos ultrapasse.
Com os bilhões de reais gastos na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas 2016, o Brasil poderia sair dos 48% de esgotos sanitários para mais próximo dos 100% que nos tornariam livres da Zica, da Chicungunha, da Dengue e das demais doenças endêmicas.
Agosto não tem bom recall na recente história política brasileira. Alguns chefes de Estado poderão não vir ao Rio por recomendações de suas diplomacias. Afinal, a quem se apresentarão e trocarão as formalidades de praxe?

João Soares Neto,
escritor
Crônica publicada no jornal O ESTADO, em 29/07/2016 e no jornal lisbonense PÚBLICO, em 04/08/2016 .