Neste mês de dezembro todos recebem cartões, brindes, presentes e convites. Boa parte deles peca pela falta de imaginação e alguns atentam contra a sensibilidade. Um dos convites que recebi me chamou a atenção. Foi um de formatura em psicologia.
Por que me chamou a atenção? Pela linda gravura de William Adolphe Bouguereau, designada como “Invading Cupid’s realm” ou invadindo o reino de Cupido. Uma linda mulher semi-nua cercada de anjos parece quebrar barreiras.
Foi isso o que o convite me passou: quebrar barreiras. Além dessa abertura inusitada, procurou não puxar saco de ninguém escolhendo os pais como “patronos” e os mestres como “paraninfos”. E não fica só nisso. Conta o Mito de Eros e Psiqué. Vejam um dos trechos: “Psiqué penetrou o palácio e, a partir de então, foi servida por uma multidão de Vozes, que lhe atendiam mesmo os desejos não formulados. Naquela mesma noite da chegada da princesa, Eros, sem se deixar ver, fez de Psiqué sua mulher, mas, antes do nascer do sol, desapareceu rápida e misteriosamente”.
Ainda fugindo das citações convencionais, o convite contém citações que transcrevo para conhecimento de vocês.
De Ruy Barbosa, aos pais (Se um dia já homem feito e realizado, sentires que a terra cede a teus pés e que não há ninguém para te estender a mão, esquece a tua maturidade, passa pela tua mocidade, volta à tua infância e balbucia entre lágrimas e esperança as últimas palavras que te restarão na alma: meu pai, minha mãe).
De Fernando Pessoa, aos professores (Mestre, meu mestre! Na mágoa quotidiana das matemáticas do ser, Eu escrevo de lado como um pó de todos os ventos, Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!).
Mário Quintana, aos clientes (… até que um dia, por astúcia ou por acaso, depois de quase todos os enganos, ele descobriu a porta do labirinto. Nada de ir tateando os muros como um cego. Nada de muros. Seus passos tinham – enfim! – a liberdade de traçar seus próprios labirintos).
Como mensagem final, Manuel Bandeira (Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais. Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas. Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume. A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos. A paixão dos suicidas que se matam sem explicação).
Não é um charme?
João Soares Neto,
escritor
CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 19/12/1999.