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PORTUGUESES SILENCIAM A MARSELHESA (GRAFIA CORRETA) – Jornal O Estado

Sou João, igual a meu avô paterno, Soares. Esse nome vem de longe. Desde o século 12. Começou com outro João Soares, esse de Pávia, nome de rio e lugarejo ao norte de Portugal. Esse João Soares foi poeta/trovador, considerado, por muitos, como o precursor da literatura galego-portuguesa. Poderia, tal meus irmãos, ter sido Caminha, ou, como meus avós maternos, Saraiva e Monteiro. Em verdade, digo, o que importa não é o nome, nem a sua origem. O que dá sentido aos nomes é o alvitre das nossas vidas, hoje. Não o dos ancestrais.
Esse parágrafo acima é para falar da descendência portuguesa, tão humilhada nos últimos tempos, pela migração como alívio para o pequeno país ibérico que, no século 16, tornou-se o grande descobridor, dono de novas terras e de novos caminhos para o mundo que saía da Idade Média.
No começo do século 20, tais quais nordestinos, portugueses passaram a migrar em busca de novas oportunidades. A França foi um desses destinos. Depois, nos anos 1940 e 1960, novas correntes migratórias inundaram os países tidos como ricos na Europa Central. Entre eles, a França.
Hoje, moram em França 600 mil portugueses genuínos, quase todos ocupando funções subalternas como porteiros, pedreiros e empregados de hotel. Esses velhos ou quase velhos, 600 mil têm famílias, e delas surgiram filhos de portugueses que, juntos com os ascendentes, devem somar mais de um milhão de pessoas. Entre elas, há importantes figuras políticas, empresários bem-sucedidos e cientistas renomados.
Domingo passado, no Estádio da França, em Saint Denis, completamente lotado, entre os 75 mil espectadores havia um bom espaço povoado por portugueses, vindos de todas as partes da Europa. Decidia-se a Eurocopa, um bilionário campeonato de futebol com transmissão simultânea para dezenas de países.
Portugal vinha de campanha nutrida de empates, vitória apenas em prorrogação, e era candidato a vice, pois a valorosa equipe gaulesa, com todo o apoio dos seus torcedores, inclusive a presença de François Hollande, Presidente da República. A França cantava de galo, o símbolo aposto em suas camisas azuis. Entoavam alto a Marselhesa, o seu hino de louvor à pátria.
Era noite de domingo, 10 de julho de 2016. Despontavam, nas duas seleções, descendentes de emigrados de antigas colônias africanas. Pois foi um desses, Eder, o herói da partida, homônimo do nosso boxeador Éder Jofre, exato aos 11 minutos, na segunda etapa da prorrogação, quem pôs a França em “Knockout”. Ele entrou, saído do banco de reservas, para a glória, essa volúvel palavra e sensação que atrai vaidades. Poderiam ser outros, pois, repito, em ambas as seleções pululavam filhos de africanos.
O fato é: Portugal venceu. O futebol prega peças, iguala os diferentes em átimos de talento, lampejos de força e de descortino. Assim, de fora da área, saiu o golo, na versão lusa, que daria o primeiro grande título internacional a Portugal. A França já fora bafejada, vezes sem conta, pela volúvel glória.
A Família Real portuguesa, em 1808, com medo da França e de Napoleão fugiu para o Brasil. Agora, neste 2016, de forma pacata, mas varonil, Portugal demonstra, em Paris, de forma esportiva, a vez dos pequenos.
Para o Senhor dos destinos, Cristiano Ronaldo foi liberado do jogo, ao se contundir. Bastavam os demais, não tão famosos, mas briosos. Como diz estrofe do Hino Português: “Levantai hoje de novo/ o esplendor de Portugal”.
Nota: Este artigo foi publicado no dia de ontem, quinta, 14 de julho de 2016, edição em papel do “Público”, de Lisboa, um dos mais bem referidos e lidos jornais de Portugal.

João Soares Neto,
escritor
CRÔNICA PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO EM 15/07/2016.

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JOGOS DE PODER – Jornal O Estado

“Se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”. Abraham Lincoln
Em 2014, o Brasil mostrou-se ao mundo com estádios novos e alguns reformados. Vias de acessos remodeladas e algumas novas. Tudo deveria seguir os cadernos de encargos e as regras da – FIFA – Federação Internacional de Futebol Association.
A palavra association é para dizer, no jargão inglês, tratar-se de esporte coletivo jogado com a bola no pé, diferente do futebol americano. Este possui outras regras, a bola por ser conduzida com a mão e há outras medidas de campo. Nos Estados Unidos o nosso futebol é chamado de soccer.
A FIFA tem sede na Suíça, onde quase não se pratica futebol. Serviu, durante grande parte do século 20 e os primeiros 15 anos do 21, para enriquecer dirigentes, assessores e presidentes de confederações continentais e nacionais, espalhadas mundo afora. A FIFA orgulhava-se de afirmar possuir mais membros que a Organização das Nações Unidas-ONU.
Mexe daqui, mexe dali, pouco a pouco, foram sendo aclaradas as múltiplas falcatruas e arranjos que essas entidades do futebol faziam seu “Road show”, que mudam de país a cada quatro anos e envolvem longas conversas com governantes e precisam mostrar exuberância, mesmo o caos estando por perto.
Governantes usam campeonatos continentais e mundiais de futebol para propagandear os seus países perante o público externo e, em critérios internos, distribuir obras para empresas amigas. A África do Sul é só um exemplo.
Em outras palavras, as Copas do Mundo servem para projetos de poder. Agora, neste mundo novo, não o de Aldous Huxley, com a descoberta de liames tão óbvios a alguns, mostrou-se a face crua da FIFA com bilhões de dólares desviados. Há casos absurdos, ao redor do mundo, de estádios suntuosos em cidades de pequeno porte que sequer possuem efetiva liga de futebol.
Se mudarmos o nome da FIFA para o do COI – Comitê Olímpico Internacional, veremos quase o mesmo enredo, apenas com atores diferentes. O Brasil, novamente, entrou nessa ficção e impôs o Rio de Janeiro como a sede das Olimpíadas de 2016, agora em agosto. Segundo a última pesquisa Datafolha: 50% da população é contra a realização e 63% acreditam em mais danos que alegrias ao Brasil.
A Casa da Moeda, em desvio de finalidade, foi a bafejada produtora das medalhas, com tecnologia, desenhos, metais, adornos, fitas e caixas pagos pelos contribuintes brasileiros. Na confusa política brasileira acontecerá o ineditismo de termos dois presidentes da República e dois governadores do Rio, um interino e outro, licenciado.
Uma candidatura à presidência pode surgir do êxito dos eventos. Certamente, tal como no período da Copa de 2014, haverá um acordo de cavalheiros entre as facções delituosas, que avultam nas margens de quem chega ou vai para o Aeroporto do Galeão, para não comprometer a interinidade do governo estadual, a quem compete em primeira instância, cuidar da Segurança Pública.
Em setembro, se tudo correr bem, os atletas do Brasil portarão algumas premiações em ouro, prata e bronze, mas estaremos, com certeza, no cômputo geral de medalhas, muito aquém do grosso dos países europeus e de alguns asiáticos. Quiçá, Cuba não nos ultrapasse.
Com os bilhões de reais gastos na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas 2016, o Brasil poderia sair dos 48% de esgotos sanitários para mais próximo dos 100% que nos tornariam livres da Zica, da Chicungunha, da Dengue e das demais doenças endêmicas.
Agosto não tem bom recall na recente história política brasileira. Alguns chefes de Estado poderão não vir ao Rio por recomendações de suas diplomacias. Afinal, a quem se apresentarão e trocarão as formalidades de praxe?

João Soares Neto,
escritor
CRÔNICA PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO EM 29/07/2016.