Inédito

SOCIALITE

Muita gente usa a palavra “socialite” sem saber exatamente o seu significado. Aliás, por não saber, a forma incorreta como é usada passa a ter cânone de verdadeira. Diz-se, de um modo geral, ser uma mulher “socialite” quando ela é colunável socialmente. Os(as) colunistas sabem, por viverem paparicados(as), quem seriam as “socialites”, as alpinistas e as “informantes”, integrantes de uma espécie de SNI social, que transformam um trivial almoço com alguns poucos familiares e amigos, uma viagem boba, um fato qualquer, em uma nota de jornal.
O que essas “socialites” ainda não se deram conta é que o perfil da coluna, dita social, mudou. O(a) colunista já sabe disso há anos. Hoje, ela é um misto de política, negócios, eventos culturais e sociais e, como todo mundo gosta, um pouco de mexerico que serve para apimentar.
Algumas pessoas só acreditam em suas festas, casamentos, vitórias empresariais, sucesso acadêmico ou profissional, quando a versão glamourosa é contada no jornal. Não deu no jornal, não aconteceu. Isso vai alimentando “a fogueira das vaidades”, referida por Tom Wolfe em seu romance homônimo lançado no fim da década de 80, usando como pano de fundo os novos ricos de Wall Street, Nova Iorque.
O fenômeno é mundial e não se limita à cidades tidas como provincianas. Cientes desse filão inesgotável, a vaidade humana, surgem revistas tipo “Caras”, a expressão pura e acabada da futilidade e do exibicionismo. De uns tempos para cá começaram a aparecer, na mesma esteira, programas de televisão alimentados pela vaidade encobrindo a insegurança ou pela insegurança geradora da vaidade. Revelam preferências, inaugurações, festas de toda natureza, casas prontas para mostrar, simulam entrevistas deixando patentes a pose e o ridículo; e fazem a alegria e a glória de quem precisa de uma alta exposição para aplacar, em alguns casos, o seu vazio. Além disso, dão ao comum dos leitores ou telespectadores uma pretensa intimidade com “gente muito importante” ou Vip (very important people).
Mas, afinal, o que significa o termo “socialite”? Esse neologismo, “newyorquismo” ou anglicismo foi gerado por jornalistas com a fusão das palavras social e socialista. A revista “Time”, nos anos 60, descobriu existir um tipo de mulher de Nova Iorque aliando à sua condição de frequentadora da sociedade a de “socialista”. Seria, mais ou menos, o equivalente ao conhecido no Brasil como “esquerda festiva”, esquerda de coquetel ou botequim ou, trazendo para os tempos atuais, uma espécie de “Radical Chic” engajada.
Um exemplo desse tipo de “socialite” seria, talvez, como satiriza a intelectual multimídia Susan Sontag, ao criticar as pessoas que vão assistir à peça “Esperando Godot”, de Samuel Beckett: “Esperando Godot é chique, todo mundo acha profundo, porque ninguém entende nada”. Ou como disse Antônio Gramsci: “ O otimismo da barbárie é o pessimismo da inteligência”.
João Soares Neto,
escritor
CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 16/05/1999.

Inédito

INVASÃO DE PRIVACIDADE

Grande parte dos brasileiros, por comodidade, economia e para facilitar o controle de despesas mensais, paga as suas contas com cartões de crédito. Você paga com cartões de crédito estrangeiros. Eles têm seu endereço, CPF, sabem em que você gasta, quanto gasta por mês, que lugares frequenta, quando e para onde vai. Querem um exemplo? Soube-se que o escritor Dias Gomes, antes de morrer acidentado, jantou no restaurante paulista “Famiglia Mancini”, o que comeu, quanto pagou e saiu às 1:53 horas do dia 18.05.99. A precisão das informações, inclusive o horário de saída, 1:53, deve-se ao registro do pagamento eletrônico feito por cartão de crédito.
No instante em que se liga o telefone, em uma companhia privada controlada ou de propriedade estrangeira, tudo fica registrado e um simples detetive bisbilhoteiro pode saber para quem se liga, se não ousar gravar a conversa.
Não se passa um dia sem que a imprensa informe algo inovador na forma de invadir a privacidade individual. Tomemos, por exemplo, uma notícia, na primeira página da insuspeita Gazeta Mercantil, de 17.05.99: “O recrutamento de executivos está chegando à era dos Jetsons. Recrutadoras como a Korn/Ferry, a Heidrich & Strugells e a Russel & Reinolds estão implantando a busca de profissionais via Internet. …A Korn & Ferry desenvolveu um recrutamento para lá de futurista, que deve chegar este ano ao Brasil. Profissionais selecionados pelo “site” Futurestep (Degrau do futuro, trad. nossa) recebem em suas casas envelopes da Federal Express. Dentro dos pacotes, está uma minicâmera chamada de videofone, que eles devem plugar na tomada de seus telefones. Um headhunter (caçador de talentos, trad. nossa) liga para esses profissionais e eles são entrevistados e filmados, enquanto podem ver o entrevistador na tela suas minicâmeras “.
O mundo está ficando globalizado, como já previa a “aldeia global” de Marshall McLuhan, nos anos 60, e nós não temos mais privacidade. Paradoxalmente, o livro “1984”, de George Orwell, falava do perigo de um Big Brother (Irmão Grande) comunista que saberia tudo das nossas vidas. A realidade nos mostra o contrário. São as grandes empresas e o Estado, dito democrático, quem grampeia telefones, filma escondido e sabe o que querem de nós, através dos registros feitos ao longo de nossas vidas. Um dia desses, assisti ao filme americano “O Inimigo do Estado” e saí do cinema, mesmo descontados os exageros, abismado com a parafernália utilizado para conhecer a vida de um advogado. As informações, a tecnologia e a eletrônica são espiões silenciosos, eficientes e de relativo baixo custo.
Nós não deveremos mais ter a ilusão de que a nossa intimidade nos pertence. Cada ato de consumo seu, seja o simples crediário preenchido inocentemente, uma mera ficha cadastral para receber um cartão de crédito ou uma passagem aérea, vai definindo o seu perfil e lhe colocando nas malas diretas vindas de todos os cantos, oferecendo tudo. Sem que saiba, você passa a ser um registro vendido pelas empresas de mala direta e isto lhe torna, independente de autorização, uma pessoa sem privacidade, mas um “cidadão global”.

João Soares Neto,
escritor
CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 23/05/1999.